GANDARA: “PRIVATIZAÇÃO DOS CORREIOS VAI PROVOCAR APAGÃO POSTAL”


Publicada dia 25/08/2021 00:40

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José Gandara dos Correios – Foto: Reprodução

José Gandara, presidente da Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios (FINDECT) declarou, em entrevista ao HP, que se os Correios forem privatizados haverá um apagão postal no país.  Significará que quase 5 mil municípios ficarão sem comunicação, sem material didático e remédios. Gandara explica que nossa tarifa é uma das mais baixas no mundo e a privatização significará o aumento dos preços e 500 mil trabalhadores desempregados. Segundo informou, em 2021, os Correios deverão ter um lucro de R$ 3 bilhões. Para o líder sindical, o Projeto de Lei que vai para votação no Senado é inconstitucional.

HP – O que significa a privatização dos Correios?

O governo está na contramão do que está acontecendo no mundo. Os governos dos países desenvolvidos estão fazendo a reestatização. Mais de 800 empresas estão sendo reestatizadas. No caso dos Correios, querem vender uma empresa essencial para integração e soberania nacional e para a comunicação nacional.  Graças aos Correios, o governo está presente em mais de 5 mil municípios brasileiros.

Somente os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro dão lucro aos Correios. O estado de São Paulo paga toda a estrutura dos Correios do Brasil. Em quase todos os estados do país a despesa é maior que a receita. São 5.324 agências que nós temos em 5.246 cidades com correio deficitário. Apenas 320 cidades são lucrativas. Agora mesmo, ouvimos o vice-presidente da República Hamilton Mourão dizendo “olha, vamos vender os Correios, depois criar uma estatal só para atender o interior do país”. Esse interior do país vai custar 10 bilhões por ano.

HP – Mas os Correios dão lucro ou prejuízo?

Os Correios, no ano passado, deram 1 bilhão e meio de reais de lucro e já temos aí um estudo que este ano de 2021 vão ser 3 bilhões de reais, então temos uma empresa lucrativa, apesar de não ter sido criada para dar lucro. Ela foi criada para atender a população.

Os Correios têm convênio com o Ministério da Educação, com o Ministério da Saúde, entre outros. Faz a logística de entrega de remédios. Os livros didáticos são entregues em todas as escolas do país. Antes dos Correios assumirem o serviço da entrega dos livros, os livros chegavam nas cidades e já eram incinerados, porque já tinha passado o tempo. Hoje os Correios entregam no mês de dezembro 1 milhão e 300 mil livros em todas as escolas do país, ou seja, quando começa o ano letivo todas as escolas já estão com todos os livros lá, esperando os alunos, então os livros esperam os aluno. Antes não, os alunos ficavam esperando o ano inteiro os livros.

A questão das urnas eletrônicas: só os Correios que levam as urnas em todas as cidades do país. A questão do serviço social: nós tivemos no ano passado, em fevereiro, aquela catástrofe em Minas Gerais, mais de 200 cidades foram afetadas. Teve decretação de estado de emergência. Os Correios levaram água, roupas, remédios, alimentação em todas essas cidades, em tempo recorde. Foi usada a estrutura dos Correios de graça. A empresa, gratuitamente, atendeu toda essa população.

HP – Com a privatização, quantos trabalhadores serão atingidos pelo desemprego?

Nós temos nos Correios hoje, funcionários públicos concursados, cerca de 94 mil trabalhadores, nós temos mais de mil agências franqueadas, com mais de 10 mil trabalhadores nessas agências, temos parceria com as transportadoras, temos as parcerias com empresas de entrega, ou seja, os Correios fazem a entrega dos concorrentes do exterior que atuam no Brasil. Temos um exemplo que é a JadLog, o correio francês, ela, estatal lá, vem disputar mercado com o correio brasileiro.  Com o serviço de limpeza e com as terceirizadas, são mais de meio milhão de empregos.

HP – É verdade que os serviços de entrega privados usam os Correios para fazerem entregas nos municípios mais distantes?

Eles entregam no grande centro uma encomenda perto da outra e no resto do país eles postam nos Correios. Cobram, por exemplo, R$ 40 do cliente e pagam R$ 20 para os Correios. O próprio Mercado Livre, que está investindo agora nos grandes centros, disse que não tem interesse em comprar os Correios. Como é que eles vão comprar 5 mil e 200 cidades, onde têm os Correios que dão prejuízo? Nenhum empresário vai investir no prejuízo.

Se por acaso passa a privatização, agora no Senado, nós podemos ter um apagão postal. Os Correios entregam 15 milhões de encomendas em 7 dias na semana do Black Friday, ou seja, os Correios atendem o mercado, ele é um parceiro do mercado, os Correios não são adversários dos concorrentes. Tem espaço para todo mundo, só que se acabarem os Correios, ninguém vai assumir a estrutura do interior, como o governo chama.  

O governo alega que está sem recursos. Então por que você vai abrir mão de atender a população sem gastar um centavo, vendendo uma estatal que nem os Correios. Vai pegar o dinheiro uma vez só, 15 bilhões de reais. Os Correios são muito mais valiosos que isso, os Correios têm mais de 2500 imóveis no Brasil, inclusive nas capitais, ali no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Brasília, Salvador, nos lugares mais valorizados. É uma fortuna, uma fábula, riqueza muito grande. São 358 anos de história dos Correios. Privatizar os Correios realmente é um crime.

Minha obrigação hoje é como cidadão brasileiro, porque a privatização é ruim para o país, é ruim para os brasileiros. Para você ter ideia, um exemplo, em mais de 200 países no mundo, apenas 8 países os Correios são 100% privados. Somados, esses países têm uma área menor que a do Mato Grosso. Todos os países com dimensões continentais como o Brasil têm o correio estatal, porque as empresas não têm interesse, nem lá nos Estados Unidos, que é o berço do capitalismo, têm interesse de privatizar os Correios. Tem a Fedex, que é o correio privado, mas tem o Correio público. Nos Estados Unidos são 500 mil carteiros, e aqui no Brasil são 55 mil carteiros, ou seja, nós temos 10% para entregar numa área quase do tamanho dos Estados Unidos, com apenas 110 milhões de habitantes a menos.

HP – Então, os Correios são uma empresa eficiente?

Em 2014, nós tínhamos 126 mil trabalhadores, hoje são 92 mil, ou seja, nós estamos com quase 34 mil trabalhadores a menos. O governo quer enxugar para precarizar.

O banco postal estava em mais de 2.600 cidades, que não têm nenhum tipo de atendimento bancário.  O governo Bolsonaro não renovou o contrato com Banco do Brasil. As pessoas dessas cidades agora têm que se dirigir a outras cidades para receber a aposentadoria ou qualquer serviço bancário. O governo tem feito isso para tentar jogar a população contra, mas nós estamos trabalhando de domingo a domingo, sem folga, para atender a demanda. Estamos aqui, segurando, resistindo para que essa empresa não seja jogada na lata do lixo.

HP- Os carteiros ficaram expostos à Covid-19?

Centenas de trabalhadores morreram contaminados pela Covid. Nós temos, no interior de São Paulo, 12 mil funcionários, temos em torno de 3 mil funcionários que já foram contaminados, temos aí em torno de 50 a 60 mortes, e temos centenas de trabalhadores que ficaram com sequelas graves.

Os equipamentos de segurança, máscara, álcool gel, distanciamento, isso nós só conseguimos na Justiça. Quando um carteiro é contaminado, contamina todo o grupo de 20 a 30 carteiros daquele grupo, tem que fechar a unidade por 15 dias, mas só é fechado também porque nós entramos na Justiça para que a empresa faça o isolamento, faça a desinfecção do local, para que a gente possa voltar a trabalhar. Você vai numa casa a pessoa vem te atender, mas ela vem sem a máscara. São vários riscos, ainda mais trabalhando de domingo a domingo. O carteiro foi contaminado e levou a doença para dentro de casa, levou para dentro da família.

HP – Por responsabilidade do governo, temos uma explosão inflacionária, ou seja, redução do valor do salário. Como está a campanha salarial? 

 O governo está usando uma estratégia baixa, fazendo jogo sujo para não repor nem a inflação. No ano passado, tirou 50 cláusulas das 79 de nossa convenção. A empresa não reúne e não conversa com os sindicalistas. O presidente, general Floriano Peixoto, proibiu qualquer conversa com os dirigentes sindicais.

HP – Assim como todos os trabalhadores, a categoria deu um apoio expressivo ao Bolsonaro, qual o sentimento hoje?

Quem votou no Bolsonaro dos Correios acho que não vota nunca mais.

HP – O que fazer contra a privatização?

O art. 21 da Constituição diz que a União é a responsável de fazer entregas de cartas e telegramas e cartões postais. Ele diz que o serviço de entrega deve ser feito pelo monopólio da União. Então, esse projeto, que passou na Câmara passa a boiada, e vai para o Senado, é inconstitucional. A Constituição diz que o correio aéreo nacional e a rede postal noturna devem ser feitos pelo Estado. O Augusto Aras, Procurador Geral da União, já disse que é inconstitucional. Está no STF, com a presidência, para votar.

No Senado, nós já tivemos a sinalização, não vai ser no passa a boiada, não vai ser nada de urgência. Os Correios não vão ser privatizados em regime de urgência. Ainda não está resolvido quem assume as cidades que dão prejuízo. Está tendo muita resistência entre os senadores.

Fonte: Hora do povo

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